quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Transmissão de zika por pernilongo pode explicar incidência em algumas regiões

Mosquito culex

A descoberta feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco, de que o pernilongo é capaz de transmitir o vírus Zika, pode ajudar a compreender porque a epidemia foi mais grave em algumas regiões do país, ou porque há mais casos de microcefalia em bebês de mulheres de baixa renda. Isso porque o Culex, nome científico do gênero do mosquito, se reproduz em água extremamente poluída, comum onde não há saneamento básico. Mas, para isso, os pesquisadores afirmam que ainda é preciso estabelecer qual a importância do inseto como vetor da doença.

 No artigo publicado hoje (9) em uma revista científica do grupo Nature, os pesquisadores descrevem a descoberta de pernilongos infectados na natureza e a comprovação de que o Zika se reproduz dentro dos mosquitos, chegando à glândula salivar dos insetos. O vírus também está presente na saliva extraída dos espécimes, tanto os infectados em laboratório como os contaminados em ambiente natural.

 O próximo passo é estudar características biológicas do Culex. Questões ambientais como a temperatura e umidade do local também são levadas em conta, segundo a pesquisadora da Fiocruz Constância Ayres.

 “Precisamos entender qual o papel dele na transmissão, se ele é um vetor secundário, se é primário ou se não tem importância nenhuma. Isso vai depender de outros aspectos biológicos que são característicos dessa espécie, como a longevidade, a abundância em campo, a preferência de se alimentar com o ser humano. A gente precisa investigar isso dentro do contexto urbano onde está a epidemia e comparar essas características com a espécie que é hoje considerada o principal vetor, que é o Aedes aegypti”, disse a pesquisadora.

 Caso o pernilongo seja estabelecido como vetor importante, esse fato pode explicar a ocorrência de mais casos na região Nordeste, por exemplo, ou a relação de áreas sem esgotamento sanitário com a quantidade de infecções. Ayres recorda que foi no Nordeste que surgiram os primeiros casos de microcefalia causados pela zika. Então, o fato da população de outras regiões já saberem sobre o perigo, e fazerem a prevenção, influencia essa disparidade, mas a falta de saneamento básico pode ter ligação.

 “De fato, aqui temos condições precárias que permitem a reprodução do vírus de forma muito intensa. A coleta do lixo, esgoto a céu aberto, inúmeros canais no Recife, que favorecem a replicação do mosquito”, afirma. “O Culex representa nossa falta de estrutura de saneamento básico. Isso é evidente em toda a cidade e favorece a distribuição do mosquito”.

 De população mais numerosa que o Aedes aegypti, o Culex poderia ser mais difícil de se controlar à primeira vista. Mas, para a pesquisadora, ocorre justamente o contrário. “A quantidade de criadouros do Aedes é infinita. Pode ser uma tampinha, um pneu, uma calha, piscina, caixa d'agua, então é impossível mapear todos os ambientes. E ele prefere água limpa. Mas o Culex prefere água extremamente poluída, que são os canais, esgotos, fossa. Você consegue mapear e tratar”, afirma. 

Pesquisa

 Para chegar à conclusão que o pernilongo é capaz de transmitir zika, primeiro foi analisada em laboratório a competência vetorial do inseto, ou seja, se o Culex (o pernilongo) poderia ter o vírus, ao alimentar os espécimes com sangue infectado. Isso foi conquistado em mais de 200 mosquitos.

 Na próxima etapa, foram colhidas amostras de mosquitos em áreas da Região Metropolitana do Recife, com registro da doença. A coleta foi realizada nos primeiros meses de 2016. 270 grupos, chamados pools, de 10 mosquitos cada, foram analisados. Em três desses pools, foram identificados pernilongos infectados.

 Em duas dessas amostras, os insetos não estavam alimentados, ou seja, não tinham sangue sendo digerido, o que poderia causar uma falsa impressão de que o próprio mosquito estivesse infectado, quando, na verdade, o hospedeiro é que teria zika. A presença do vírus no organismo dos Culex foi confirmada.

 Pela primeira vez no mundo, os pesquisadores conseguiram fotografar o vírus se reproduzindo dentro da glândula salivar dos pernilongos.

 Foi realizada também uma comparação com o Aedes aegypti. A carga viral que o mosquito da dengue carrega na saliva é a mesma do Culex. No entanto, a taxa de infecção natural do pernilongo é duas vezes menor que a do Aedes, embora o Culex seja mais numeroso (a população é 20 vezes maior que a do Aedes na área estudada).

 Os resultados dizem respeito aos espécimes coletados em uma área delimitada, mas, segundo a pesquisadora Constância Ayres, pode se considerar a descoberta como nacional, já que, em um estudo que será submetido à publicação, em breve, feito em parceria com a Secretaria de Saúde de Vitória, no Espírito Santo, também foram encontradas amostras positivas do vírus Zika em mosquitos Culex. 

Mapeamento genético

 No estudo também foi feito o sequenciamento genético do vírus encontrado no Culex. Isso significa que o conjunto de genes que formam o Zika foi identificado, o que ajuda na criação de vacinas e nos diagnósticos da doença, de acordo com os pesquisadores. Anteriormente, Fiocruz Pernambuco descobriu que o vírus é semelhante, em estudo publicado no ano passado, retirado de uma amostra humana. Mesmo assim, há diferenças.

 De acordo com o coordenador da equipe que fez o sequenciamento do genoma, Gabriel Wallau, as diferenças são esperadas porque o vírus Zika tem uma capacidade de mutação alta. O que a comunidade científica quer responder é o que essas diferenças significam, e se uma variação específica do vírus pode ser responsável pela infecção mais severa, que causa microcefalia e outras malformações descritas como Síndrome Congênita do Zika.

 “Essa é uma pergunta de ouro, principalmente por causa da dificuldade de se obter amostras a partir de crianças que tem microcefalia. Se tivesse facilidade, conseguiríamos sequenciar o genoma e saber se há alguma diferença específica que está circulando e causando a microcefalia”, disse. Outra questão, é se o vírus Zika sofreu alguma adaptação para se replicar dentro do pernilongo. “A gente ainda não sabe. A partir do sequenciamento, conseguimos ter algumas ideias, mas ainda precisamos de mais dados para realmente avaliar.”
Fonte: Agência Brasil

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